Nenhum país fez mais reformas que o Brasil nos últimos anos

Análise 19 de Ago de 2021

Parafraseando o sociólogo norueguês Johan Galtung, se um jornal fosse publicado a cada cinco anos, ele não noticiaria um quinquênio de fofocas de celebridades ou escândalos políticos. Ao contrário: o foco seria celebrar importantes mudanças globais, como o aumento da expectativa de vida, menos pessoas vivendo na miséria e cada vez mais indivíduos desfrutando de liberdades civis. Isso vale para o momento institucional, político e econômico que o Brasil tem vivido desde 2016.

Por um lado, há um bombardeio diário de informações negativas, pessimistas e com muitos ruídos que repercutem turbulências políticas. Há ainda projeções econômicas que eventualmente estão aquém do inicialmente projetado. Mas, por outro, muitas vezes os ruídos acabam fazendo mais barulho do que fatos concretos e que realmente farão diferença para o desenvolvimento, progresso e avanço brasileiro.

A despeito de muitos erros do passado, podemos afirmar com segurança que, desde 2016, estamos institucionalmente avançando, acertando e andando para frente. Sim, o Brasil é um dos países de todo o mundo que mais promoveram reformas estruturais nos últimos cinco anos!

Confira as principais.

Teto de gastos (2016)

Diante do desequilíbrio fiscal que o governo federal passou a apresentar de forma consecutiva a partir de 2014, a credibilidade fiscal do Estado brasileiro foi afetada, causando a grande recessão brasileira ao longo de 11 trimestres consecutivos. Isso enquanto mais de 90% dos países do mundo cresceram, isto é, a crise foi causada exclusivamente por fatores (e erros) internos.

Diante disso, a Regra do teto de gastos é, literalmente, um limite de gastos para a União (nomeação jurídica do governo federal). Ele foi instituído por uma emenda constitucional, oriunda de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), aprovada em 2016, que estabelece que os gastos do governo pelos próximos 20 anos, até 2036, devem crescer de acordo com a inflação de um ano para o outro.

Ou seja, o governo federal não deve criar um orçamento maior do que o ano anterior, mas somente corrigi-lo de acordo com a inflação. Por exemplo, se a carga inflacionária no período for de 3%, o orçamento do ano seguinte poderá ser 3% maior. Não há aumento real do orçamento estatal de acordo com o teto. A regra é valiosa, portanto, no combate ao aumento dos gastos do Estado e relevante para o controle da dívida pública brasileira.

A queda na taxa de juros, de 14,25% para a mínima histórica, se deu em decorrência, justamente, do Teto de Gastos.

Henrique Meirelles, um dos principais articuladores para a aprovação do teto de gastos

Reforma trabalhista (2017)  

Em vigor desde 2017, por meio da aprovação de uma lei, a reforma trabalhista mudou parte da legislação brasileira relativa à remuneração, plano de carreira e jornada de trabalho, entre outros pontos. A norma foi aprovada com o intuito de flexibilizar o mercado de trabalho e simplificar as relações entre trabalhadores e empregadores.

A diferença entre o custo total da empresa com o trabalhador e o valor total do contrato de trabalho recebido por esse empregado é chamada de “custo da legislação laboral”. Antes da reforma, segundo estudo da FGV, poderia representar até 191%.

Isto é, a legislação anterior encarecia demais o trabalho formal, resultando em mais da metade da população economicamente ativa no país na informalidade — sem amparo previdenciário. A reforma criou a figura do contrato de trabalho intermitente, que desburocratizou contratações, formalizando o que popularmente se chamava de “bico”. Espera-se que em médio prazo ele se se torne mais comum, gerando mais oportunidades de emprego formal.

Para reduzir a burocracia referente ao mercado de trabalho brasileiro, a reforma trabalhista permitiu, por exemplo, o fim do pagamento obrigatório aos sindicatos. Antes, todo trabalhador brasileiro oriundo do regime CLT era obrigado a contribuir com os sindicatos brasileiros com o pagamento de um “imposto sindical”, distribuído entre as entidades.

A jornada de trabalho também teve suas regras alteradas. Antes limitada a 8 horas diárias e 44 horas semanais, pôde ser pactuada em 12 horas de trabalho e 36 horas de descanso, respeitadas as 220 horas mensais.

Alguns trechos da reforma ainda estão judicializados e não estão sendo aplicados integralmente, havendo projeção que isso ocorra apenas a partir de 2025.

Michel Temer, então Presidente da República, sanciona reforma trabalhista.

Fim da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP (2017)  

Foi aprovada em 2017 a extinção da Taxa de Juros de Longo Prazo, ou TJLP. Ela funcionava como uma referência para os vários programas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do governo, usada em empréstimos subsidiados.

A TJLP, no entanto, representou uma distorção no mercado de crédito brasileiro ao contribuir para a elevação dos juros pagos por aqueles – cidadãos e empresas – que não contavam com o subsídio governamental, ou seja, que não tinham isenções de impostos ou outros incentivos econômicos.

Para acabar com a TJLP, o governo criou a Taxa de Longo Prazo (TLP), que permitiu o oferecimento de algum nível de crédito subsidiado, mas sem as distorções anteriores.

Além disso, com o controle e estabilidade fiscal proporcionadas pelo Teto de Gastos, o protagonismo do setor de crédito passou a ser de instituições privados.

Reforma do Ensino Médio (2017)  

Aprovada em 2017, com previsão de aplicabilidade integral a partir de 2022, a reforma promovida pelo governo Temer sob a liderança do então Ministro da Educação Mendonça Filho, “desburocratizou o sistema escolar nacional”.

Ela estabeleceu, por exemplo, que o currículo escolar brasileiro, tanto para escolas públicas quanto particulares, seja preenchido pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), formada por matérias obrigatórias, tais quais matemática, português, filosofia, entre outras, mas também os chamados itinerários formativos, as matérias opcionais.

A nova proposta possibilita que o estudante poderá escolher entre cinco áreas de estudo: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. Assim, há a possibilidade de escolha na área de estudo para o aluno se aprofundar já no início do ensino médio. As escolas não são obrigadas a oferecer aos alunos todas as cinco áreas, mas devem oferecer ao menos um dos itinerários formativos.

A reforma também apresenta uma meta de ampliação da carga horária para pelo menos mil horas anuais e, posteriormente, chegar a 1.400 horas para as escolas do ensino médio. A intenção é que progressivamente amplie-se a carga horária para sete horas diárias, para ofertar educação em tempo integral.

Reformas: Mudanças no Fundo de Financiamento Estudantil – FIES (2017)  

Diante de uma inadimplência superior a 50%, verificada em 2016, o Fies representou um rombo fiscal de R$ 32 bilhões. Assim, o governo federal estabeleceu, em 2017, novas regras para o programa social.

Assim, se trouxe mudanças na taxa de juros, no prazo para pagamento do saldo devedor e ampliou-se a faixa de renda para os interessados no financiamento.

Ficou determinado, por exemplo, o fim do prazo de carência de 18 meses, após a conclusão do curso, para que o estudante comece pagar o financiamento. O estudante deverá iniciar o pagamento no mês seguinte ao término do curso, desde que esteja empregado. O prazo máximo para pagamento passou a ser de 14 anos. O governo pensou, a partir disso, em garantir um retorno mais rápido dos empréstimos concedidos aos estudantes.

Michel Temer apresentando a reforma do Ensino Médio.

Reforma da Previdência (2019)  

Aprovada em 2019, a reforma da previdência, ainda que tenha enfrentado forte resistência por parte da oposição política, foi aprovada para a “alegria das contas públicas”.

A reforma, em linhas gerais, alterou regras de concessão e cálculo de aposentadorias e pensões, dos regimes geral e próprio dos servidores públicos federais, instituindo também regras de transição. Ela foi necessária para reajustar o sistema previdenciário brasileiro às contas públicas, já que, do jeito que estava, era “insustentável”.

O Brasil era um dos poucos países do mundo com sistema previdenciário intergeracional, mas que não estabelecia uma idade mínima para aposentadoria, o que beneficiava de forma desproporcional os brasileiros de maior renda. Dessa forma, as mudanças visaram aumentar o tempo de contribuição dos cidadãos brasileiros para sustentar todos os gastos previdenciários.

Paulo Guedes, ministro da Economia, debatendo a reforma da Previdência na CCJ da Câmara dos Deputados.

Reformas: Lei da liberdade econômica (2019)  

Sancionada no ano de 2019, a lei da liberdade econômica teve como principal objetivo a redução da burocracia nas atividades econômicas brasileiras. Houve uma flexibilização para a realização de atividades econômicas, com, por exemplo, a dispensa de alvará para quem exerce atividade de baixo risco (costureiras e sapateiros, por exemplo). Ou seja, deixou-se de ser obrigatório que o Estado permita, por meio de um documento, as atividades consideradas de baixo risco.

Com a nova legislação, a expectativa é que haja maior segurança jurídica aos negócios, estimulando a criação de empregos. Pelas contas da equipe econômica, a medida pode gerar, no prazo de dez anos, 3,7 milhões de empregos e mais de 7% de crescimento da economia.

Jair Bolsonaro, Presidente da República, sancionando a Lei da Liberdade Econômica.

O Marco do Saneamento (2020)  

O Marco Legal do Saneamento Básico, sancionado em 2020, prevê a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033. O projeto tem por objetivo que 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e a coleta de esgoto até o prazo estabelecido. Para isso, a proposta facilita a injeção de investimentos privados nos serviços de saneamento estatais.

A nova lei, por exemplo, extingue os chamados contratos de programa, firmados, sem licitação, entre municípios e empresas estaduais de saneamento. Com a nova legislação abriu-se espaço para os contratos de concessão, tornando obrigatória a abertura de licitação, podendo, então, concorrer à vaga prestadores de serviço públicos e privados.

Com as mudanças regulatórias, houve maior segurança jurídica para investimentos no setor. E, com o controle fiscal, a queda na taxa de juros tornou esse tipo de investimento mais atrativo, fazendo com que fundos de investimento fossem criados para o mercado de capitais conectar poupadores de gestores técnicos a atuarem no setor.

PEC Emergencial (2021)  

A aprovação Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186/19, também conhecida como PEC Emergencial, foi a condição do governo federal para pagar, em 2021, uma nova rodada do auxílio emergencial, um gasto necessário em decorrência da pandemia.

A proposta impôs maior rigidez na aplicação de medidas de contenção fiscal, controle de despesas com pessoal e redução de incentivos tributários pensando no longo prazo. Ela criou “gatilhos” para que sempre que sempre que os gastos públicos alcançarem determinado patamar, ou a dívida pública até determinado nível, houvesse flexibilização orçamentária, possibilitando cortes de despesas. Isso inclui a proibição de reajustes do funcionalismo público e revisão de incentivos fiscais.

Lei de licitações (2021)  

A nova Lei de Licitações, que trata das regras sobre contratações públicas, substituiu o regramento estatal de décadas anteriores relacionado ao processo licitatório.

O normativo, entre outros temas, permitiu o seguro garantia nas licitações, o que poderá contribuir para a redução de obras inacabadas. Além disso, a lei destaca que, para uma licitação, um estudo técnico terá de ser elaborado para avaliar os possíveis impactos ambientais da obra.

O levantamento também deve conter, de acordo com a nova legislação, medidas mitigadoras para lidar com os problemas que afetem o meio ambiente. Segundo especialistas, as regras da nova Lei de Licitações vão de encontro ao que as grandes empresas estão atentas hoje em dia: enviromental, social and governance, também conhecido como “ESG”.

Nova Lei de Falências (2021)  

A Nova Lei de Falências trouxe regras para dar maior fôlego para empresas em situação de recuperação judicial, auxiliando na preservação da atividade econômica prestada por estas. Contudo, as possibilidades de credores também terem seus débitos quitados foram ampliadas.

A lei, entre outras mudanças, propõe que quem comprar os ativos de uma empresa em recuperação judicial terá segurança de que não “herdará” problemas que não estavam previstos, acabando com a sucessão de passivos, trazendo maior segurança jurídica a investidores.

Autonomia do Banco Central (2021)  

A autonomia do Banco Central (BC) estabelece que, entre outras mudanças, a instituição deixe de ser vinculada ao Ministério da Economia. Agora, passa a ser classificado como um órgão público com autonomia operacional, determinando mandato fixo de quatro anos para seu presidente e demais diretores. Antes da aprovação do projeto, não existia um período fixo de mandato e todos os membros poderiam ser desligados das suas funções a qualquer momento, o que gerou suspeitas de interferências políticas em governos anteriores, com eventuais manipulações na Selic.

evidências robustas de que essa medida traz resultados: países com bancos centrais mais autônomos, no geral, apresentam índices médios de inflação mais baixos, sem apresentar índices médios de crescimento reduzidos.

Sede do Banco Central do Brasil.

O Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador teve por intuito, entre outras finalidades, definir um conjunto de regras para o funcionamento do setor de inovação brasileiro (e, também, reduzir a burocracia para uma startup no país).

O texto, por exemplo, estabeleceu o aumento da segurança jurídica para investimentos, o venture capital, especialmente ao estabelecer que nenhum investidor terá de arcar com eventuais dívidas das empresas;

Nova Lei do gás (2021)  

As mudanças regulatórias promovidas pela Nova Lei do Gás trouxeram maior desconcentração do mercado do gás, não permitindo que uma mesma empresa possa atuar em todas as fases, da produção e extração até a distribuição.

O novo marco diz ainda que caso haja mais de um interessado para a construção de um gasoduto, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) deverá realizar processo seletivo público. Isto é, a ideia é estimular a concorrência.

Capitalização da Eletrobras (2021)

Foi aprovada recentemente a capitalização da Eletrobras, permitindo que o Estado deixe de controlar cem por cento do capital e dividirá a responsabilidade da empresa com acionistas da iniciativa privada.

A ideia é que a capitalização fortaleça a instituição, possibilitando investimentos para manter a competitividade da organização no setor elétrico. Os estudos para a privatização devem ser concluídos pelo BNDES até outubro de 2021, e a aprovação do Tribunal de Contas da União ficar pronta até fevereiro de 2022.

Após essas medidas, o governo projeta que ocorra a capitalização em meados de 2022.

Lei do Ambiente de Negócios

Em agosto, o Congresso aprovou modernização do ambiente de negócios.

A medida integra uma revolução silenciosa, se considerarmos o tamanho do impacto positivo da norma e o “barulho” que ela tem gerado nas mídias. Idealizada pelo Secretário Carlos Da Costa, do Ministério da Economia, ela pretende ajudar na retomada econômica do país ao elevar a posição no Ranking Doing Business, do Banco Mundial. Hoje, dos 191 países apurados pelo levantamento, o Brasil ocupa a 124ª posição quando o quesito é facilidade para fazer negócios. Dentre os critérios analisados, há por exemplo, a abertura de empresas (138º), obtenção de alvarás de funcionamento (170º) e obtenção de crédito (104º), havendo na MP melhorias regulatórias nesses aspectos.

A legislação aprovada ataca pontos cruciais na rotina das empresas brasileiras, como a burocracia para o tempo de abertura e funcionamento, regras de comércio exterior e para o conselho administrativo de empresas de capital aberto. Entre elas, a criação do CNPJ unificado, a emissão automática de alvarás, a facilitação de obtenção de energia elétrica e maior segurança jurídica para importações.

As próximas reformas

Ainda há muito trabalho a ser feito na condução de melhorias institucionais no Brasil. Entre as próximas reformas no radar para aprovação, destaca-se a reforma administrativa, e BR do Mar, o PL das Ferrovias, o PL dos Correios, e o PL do fim dos supersalários.

Congresso Nacional.

Autor

Luan Sperandio, editor-chefe da Apex Partners

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