Visão do Estrategista: Autoridade Monetária e Mercados reagem preocupados com inflação

Entre janeiro e fevereiro, as principais bolsas no mundo performaram positivamente: Dow Jones (1,1%), Nasdaq (2,4%), EuroStoxx (2,4%), Nikkei (5,5%), Shanghai Comp. (2,4%). Apesar disso, o Ibovespa caiu 7,5%, refletindo preocupações sanitárias e os riscos fiscais, inflacionários e políticos presentes no cenário doméstico.

O desempenho do Ibovespa era positivo ao longo de fevereiro, sendo favorecido também pela continuidade da entrada de dinheiro estrangeiro. Contudo, as interferências governamentais na Petrobras geraram preocupação no mercado, afastando o investidor estrangeiro e derrubando as ações da petrolífera, que responde por boa parte do índice.

Em meio a isso, o Banco Central tende a retirar parte dos estímulos e aumentar a taxa Selic nas próximas reuniões do Copom. Com o Ibovespa em torno de 115 mil pontos, vemos algumas oportunidades interessantes para alocação de recursos em renda variável não olhando o índice mas escolhendo a “dedo” as empresas, o chamado “stock picking”. E, na renda fixa, enxergamos oportunidades em títulos atrelados à inflação, assim como os pré-fixados.

Cenário internacional

Como afirmado na edição anterior da VE, o cenário econômico global em 2021 se mostra construtivo em virtude da manutenção de fortes estímulos monetários e fiscais nas principais economias desenvolvidas. A despeito disso, a alta das expectativas de inflação nos Estados Unidos tem feito o rendimento dos títulos do tesouro de longo prazo subirem a níveis que já mostram maior rentabilidade que o dividend yield do S&P e isso está causando apreensão no mercado porque pode significar que o período de taxa de juros zero pode ter um fim antes do esperado. Por enquanto, o FED, banco central americano, continua reforçando controle sobre a inflação e o comprometimento com a manutenção das políticas acomodativas até 2023.

Como pode-se notar no gráfico abaixo, ao contrário do que vinha acontecendo entre agosto de 2020 e janeiro de 2021, no último mês a alta dos juros nominais foi acompanhada por alta dos juros reais nos prazos mais longos, ainda que as taxas permaneçam em níveis moderados.

No cenário político norte-americano, finalmente foi aprovado novo pacote de estímulos pelo governo de Joe Biden no montante total de U$S 1,9 trilhão. Para referência, este somado ao último pacote da administração de Donald Trump representa cerca de 10% do PIB do país.

No campo sanitário, os Estados Unidos ainda têm conseguido imprimir um ritmo veloz de vacinação, o que auxilia na retomada econômica do país, que já se espera crescer mais do que anteriormente com as previsões saltando de um incremento em torno de 4% do PIB para próximo de 7%.

Conforme a projeção pelo Fundo Monetário Internacional para o crescimento da economia da Índia (12,6%) e da China (7,8%), mantém-se o fundamento de alta na demanda por commodities, em especial soja, minério de ferro e cobre. Isso beneficia economias emergentes exportadoras, como o Brasil.

Cenário doméstico

A crise sanitária voltou a avançar no Brasil, com contágio e número de mortes diárias aumentando nas cidades. Isso provocou aumento na ocupação de leitos nas cidades, o que pelos protocolos de combate à pandemia resultou em novos fechamentos da maioria das capitais do país. Em paralelo, o Brasil superou a marca de 10 milhões de vacinados pela Covid-19, quase 5% da população, com quase 40% desse público já tendo recebido as duas doses da vacina. Contudo, ainda há preocupações em relação à velocidade da disponibilização dos insumos para a vacinação em massa, que tem vindo à conta gotas.

Com a piora sanitária, o Ministério da Economia acordou com líderes partidários nas casas legislativas do Congresso nova rodada de pagamento do auxílio emergencial condicionada à contrapartida: a PEC Emergencial, que institui gatilhos para contenção de gastos no caso da dívida pública da União superar 95% e da despesa em relação à receita líquida corrente dos estados e municípios atingirem 95%.

Ela foi aprovada no Senado e na Câmara e representará uma economia potencial ao longo de dez anos de R$ 144 bilhões para União, Estados e Municípios. Especificamente para a União, a economia será de R$ 32,4 bilhões. A Emenda aprovada também trouxe a possibilidade de gasto extraordinário de até R$ 44 bilhões com auxílio emergencial, cuja expectativa é que comece a ser pago pelo governo até o início de abril. Todavia, esperava-se mais porque a PEC Emergencial na prática não contribui para melhoria fiscal a curto prazo em nenhum aspecto: há perspectiva de que os gatilhos sejam acionados apenas em 2025. Em outras palavras, era esperado que o Congresso “marcasse alguns gols” mas, diante da ameaça de desidratação do texto, houve maior preocupação em “não tomar gols”. A expectativa de otimização dos gastos públicos não se concretizou.

Novamente, vemos risco político em virtude da classe política fazer o que é fácil e não o que é certo. A fim de conter a pressão da categoria dos caminhoneiros pela alta dos combustíveis, por exemplo, aumentou-se o subsídio do diesel e, para custeá-lo, foi editada uma Medida Provisória para aumentar a alíquota de CSLL das instituições financeiras.

Em outro prisma, a Agenda de Reformas avançou ainda no último mês com a promulgação da Autonomia do Banco Central, da aprovação da Lei do Gás e com a apresentação da MP da Eletrobras, em um esforço do governo por compensar a interferência na Petrobras.

A nova presidente da Comissão de Câmara e Justiça, Bia Kicis (PSL/DF) reafirmou o compromisso em priorizar a reforma administrativa, já escolhendo o relator Darci de Matos, do PSD/SC, que deve avançar nas próximas semanas. Na Comissão Mista da Reforma Tributária, aguarda-se a apresentação do relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Entretanto, eventual avanço da pandemia pode representar bloquear a tramitação da agenda de reformas.

De acordo com as últimas projeções do BTG Research, a retomada econômica deve ser mais lenta, em torno de 3% da economia,  e a inflação mais alta, superando os 4%, havendo ainda um câmbio frente ao Dólar mais desvalorizado, fechando o ano em patamar próximo de 5,20.

A alta do câmbio e das commodities continuam pressionando os níveis de preços e a taxa Selic parece estar em um patamar incompatível com a inflação corrente. Por essa razão, vimos nesta semana a elevação da taxa SELIC para 2,75% com comunicado de uma elevação de mais 0,75% na próxima reunião de maio, ou seja a Selic nos próximos 45 dias estará em 3,5% ao ano.

Alocação de recursos

Na renda variável, houve uma “tonteira de curto prazo” influenciada pelo risco político, que pressionou a saída de capital estrangeiro de aproximadamente R$ 10 bilhões.

Apesar de se verificar apetite por risco de investidores internacionais, o Brasil parece estar “ficando de fora da festa” neste momento. Contudo, o Ibovespa está em um patamar barato em Dólar, comparado com o cenário de junho de 2020.

A despeito disso, tivemos bons resultados nos balanços de de empresas que vieram acima do esperado: todas as alterações de rating dos ativos foram para cima.

Houve destaque para empresas do setor de software, óleo e gás, papel e agronegócio. Empresas de real estate não tiveram resultados ruins, mas com avanço da pandemia alguns projetos foram adiados.

Com cautela, aconselhamos a formação de caixa pensando em aproveitar oportunidades em renda variável de ativos que estejam desvalorizados sem fundamentação específica.

As incertezas e riscos presentes no cenário doméstico fizeram os juros DI futuro se estressarem ao ponto de chegar em 8,5% ao ano. Trata-se do mesmo patamar de quando o então Ministro da Justiça Sérgio Moro saiu do governo e deflagrou confusão institucional, com receios de que o Ministro da Economia Paulo Guedes poderia sair.

Assim, há ofertas de produtos com prêmio semelhantes aos encontrados em cenário pré-aprovação da previdência, como por exemplo títulos bancários pré-fixados para quatro ou cinco anos remunerando 10% ao ano, um prêmio muito acima das taxas de juros negociadas no mercado para mesmo prazo, já precificando o aumento da Selic.
Entre os hedges, deixamos de realizar alocações em ouro, dado ao novo cenário de juros reais mais altos nos Estados Unidos, dando lugar a um peso maior para o Dólar, fundos de criptomoedas (para os perfis mais agressivos) e, por fim, incrementando exposição em títulos de inflação.

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Tiago Pessotti é Estrategista-chefe da APX Investimentos.